terça-feira, 18 de abril de 2023

Quem beijou beijou não beijou não beija mais

Quem beijou, beijou, não beijou, não beija mais.

Este conto é da autoria de Geraldo da Arte, é uma historia de um sambista que era muito querido na sua comunidade.
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Jose Ferreira era daquela caras bem visto na comunidade onde morava. Muito brincalhão, sempre contando piada, fazia todos darem gostosas gargalhadas, parecia que tinha saúde de ferro e não adiantava dizer para ele consultar um medico, que ele saia resmungando, dizendo que todo mundo morre e ninguém nasceu pra semente.
Um dia, Ferreira partiu pro “outro lado”, e todo mundo ficou triste e o comentário era um só: uma pessoa tão querida e de repente se foi.
Em casa, a família estava inconsolável, não se conformava, era o maior chororô, e já começavam a discutir onde seria o velório, afinal de contas o falecido tinha muitos amigos.
Naquele tempo, ainda se fazia velório em casa e sendo assim, levaram o corpo para ser velado em sua residência, onde todos podiam dar a última despedida ao saudoso.
E ainda todos da família se lembravam do que o Ferreira falava, quando morresse queria que o velório fosse em a casa e o seu caixão coberto com o escudo do seu clube de coração e a bandeira da sua escola de samba querida.
E sendo assim iriam cumprir o último pedido do saudoso patriarca.
A casa não era grande, não comportava todos, mesmo assim o povo da comunidade foi dar o seu último adeus ao saudoso Jose Ferreira.
E assim quando chegou o corpo, chegaram também muitas coroas de flores e acenderam vários maços de velas, deixando o caixão todo iluminado e ainda dava pra perceber o saudoso com aquele sorriso maroto crente que tinha cumprido a sua missão aqui na terra. Também trouxeram o escudo do seu time querido e a bandeira da sua escola de samba, onde o dito cujo teve muitas alegria nos desfiles e todos esses adereços ficaram ao lado do caixão.
Dona Joana, andava tristonha pra lá e pra cá, afinal eram quase cinquenta anos juntos. Apesar de tapas e beijos, mesmo assim ela dizia: meu velho morreu feliz, não sofreu nadinha
Aos pouco ia chegando o povo da comunidade, todos com semblante tristonho e os olhos marejados de lágrimas, alguns mais ousados beijavam o rosto do saudoso, outros beijavam a mão. Algumas mulheres da comunidade choravam aos prantos, parecia que estavam mais sentidas do que a própria viúva. Era servido cafezinho, bolacha e, para os mais chegados, ainda tinha um goro, afinal o Ferreira fazia parte do time da comunidade e tudo que precisavam iam falar com o seu Ferreira, ele até arrumou um candidato a vereador que deu um jogo de camisa ao time, assim comentavam os velhos amigos do peito.
Naquele clima que nem parecia um velório, tudo corria como o saudoso tinha imaginado que iria ser quando fosse para o andar de cima, assim como dizem os mais otimistas
A certa altura, começaram os comentários maldosos, alguns já cobiçando a viúva que apesar de ser uma balzaquiana ainda fazia muitos marmanjos da comunidade suspirar.
E durante o velório, em um canto, os parentes já começavam a comentar, perguntando: “será que ele deixou alguma herança pra ser dividida?”. Enquanto isso aqueles que eram amigos de farra de boemia, sabiam que o saudoso era viciado em jogo e até a sua casa já estava empenhada em dívidas.
E assim a noite foi passando, até que começou amanhecer, e a viúva, já cansada de tudo e de ver quanta falsidade existe entre os seres humanos, resolveu dar um basta e disse: “Eu vou fechar este caixão e pronto, quem beijou, beijou, não beijou, não beija mais!”.
E aquele dia amanheceu chuvoso, o enterro seria lá pelas 9,00 horas. Alguns resolveram ficar por lá mesmo, já que o cemitério era próximo, ficaram para ajudar a colocar o caixão no carro fúnebre, e comentavam: “Quem é sepultado com o tempo chuvoso, é porque morreu feliz e não quer deixar nenhum rastro na terra, a chuva vem para apagar tudo...
Chegando ao cemitério, havia bastante gente esperando o caixão e como ele fazia parte da escola de samba do lugar, tinha um pequeno grupo tocando um tambor e, enquanto os parentes e amigos levavam o caixão, iam cantando a letra de um samba que dizia assim:

“Mais um sambista se foi,
Para cantar e prosear lá no céu.
Mais um sambista se foi
Para se integrar a ala de Noel,
Essa ala só tem gente bamba,
Nomes não precisam dar
Eu acho que os
pagodes lá no céu
“Faz até o tio Pedro sambar.”

E assim foi sepultado José Ferreira, que talvez, onde estivesse, viu toda essa manifestação de carinho no dia do seu enterro.
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